A história do concelho da Póvoa de Lanhoso remonta há já muitos séculos. Se os vestígios da ocupação humana destas terras indicam cronologias de milhares de anos antes de Cristo, mercê da existência de testemunhos pré-históricos como é perceptível dos levantamentos arqueológicos realizados, onde abundam sítios de culturas megalíticas (18), do calcolítico e Idade do Bronze (4), povoados da Idade do Ferro (10), sendo inúmeras as dezenas de vestígios da presença romana e romanização destas terras. Os testemunhos do povoamento das terras de Lanhoso até à atualidade, crescem significativamente para cronologias posteriores, já da nossa Era.
De facto são inúmeros os vestígios e as referências documentais que fazem atestar a presença no que viriam a tornar-se as terras de Lanhoso, datando o primeiro documento conhecido relativo ao topónimo de 1086. É aliás em torno de uma das principais referências patrimoniais que a história das Terras de Lanhoso se vai construir, o Castelo de Lanhoso.
A origem do topónimo Lanhoso, que se supõe de origem Ibérica, relaciona-se diretamente com as características geológicas, marcadas pela abundância de grandes lages graníticas, muito particularmente aquela onde assenta a construção do Castelo de Lanhoso (empiricamente classificado como o maior monólito granítico peninsular). Assim a evolução do topónimo passaria por variantes como Laginoso, Lainoso, Lanyoso até ao atual Lanhoso.
No tocante à origem da Póvoa que antecede Lanhoso na atual designação, se inicialmente se supunha ter a sua origem no desenvolvimento medieval de uma povoação, destinada a promover o seu repovoamento, atendendo ao importante baluarte que constituía o próprio Castelo de Lanhoso, fica claro quando D. Dinis na Carta de Foral expressa objetivamente, no texto da Carta de Foral que institui este concelho, a concessão à sua Póvoa de Lanhoso:
"Dou et concedo vobis, populatoribus de mea popula de Lanyoso"
É exatamente a partir das Terras do Julgado de Lanhoso que, em 25 de Setembro de 1292, D. Dinis, da cidade de Coimbra, outorga Carta de Foral ao Concelho de Lanhoso, continuando ou respeitando a tradição municipalista portuguesa.
De facto, desde a criação do Reino de Portugal que os diversos monarcas, procurando afirmar a sua autoridade, por um lado, e contribuindo para a fixação e desenvolvimento socioeconómico das terras e populações vão consequentemente instituindo os municípios com a outorga das cartas de foral, transformando, não poucas vezes, territórios desprovidos de autoridades e dinâmicas em verdadeiros núcleos de desenvolvimento, a partir da criação dos respetivos concelhos.
Se os vestígios permitem atestar a existência da presença humana nestas terras, com a outorga da Carta de Foral ao Concelho de Lanhoso, este vai sofrer um manifesto desenvolvimento com a fixação de novos moradores e a promoção de relações económicos entre si e com o exterior.
As cartas de foral, que muito para além de criarem os municípios portugueses, vão ser identificados como os primeiros textos “constitucionais” dessa tradição municipalista portuguesa, ao dotar as terras de leis e regras muito próprias transformando-as e dotando-as de regras legais de verdadeira sociabilização. Estes documentos permitem assim, para além da afirmação da autoridade do Rei em terras até então praticamente desprovidas de uma autoridade presente e efectiva, em centros dotados de uma organização, administração e regras de funcionamento que permitiram a sua afirmação ao longo dos séculos seguintes.
Iniciadas já com Afonso Henriques, que embora com preocupações algo diversas num momento em que o reino se debatesse com imperativos ligeiramente diversos no momento da sua formação (contrastando a concessão de 31 forais com 167 cartas de couto), a rede de municípios foi crescendo com D. Sancho II (24), D. Afonso III (92), chegando-se ao ano de 1275 com 244 cartas de Foral já outorgadas ou renovadas.
Com D. Dinis (1261-1325), a par do povoamento e organização do território nacional e reforço das fronteiras, este monarca teve uma impressionante política legislativa, contribuindo decisivamente para que os forais traduzam, de forma bem expressiva, a necessidade de ordem pública e de segurança de pessoas e bens, tanto na gravidade com que são castigados os ladrões, por natureza reincidentes, como no prestigiar a autoridade municipal competente, o Alcaide.
Nota muito generalizada nos seus forais era, pois, a importância com a segurança, com forte repercussão na vida dos munícipes, e a que diz respeito à proteção do domicílio, contra a sua invasão violenta. Numa tentativa de evitar situações lesivas dos direitos de terceiros e perturbadoras da paz entre vizinhos, os forais penalizavam os atentados contra a propriedade com parte da multa para o palácio, ou autoridade representante do poder real.
Ainda no capítulo da manutenção da ordem pública, condição de segurança e tranquilidade indispensável ao correcto desenvolvimento social, o tipo de armas usadas e os ferimentos provocados eram considerados, o mercado ou a igreja, locais onde os crimes eram particularmente penalizados. Era necessária segurança e estabilidade, o respeito de todos pelas normas e posturas, podendo o desrespeito de algumas delas conduzir à perda da condição de vizinho e ao afastamento definitivo da terra.
O Foral de Lanhoso
A Carta de Foral do Concelho de Lanhoso, que sem nos determos na discussão das classificações tipológicas dos municípios, propostas por Alexandre Herculano (rudimentares, imperfeitos e perfeitos) ou por Torquato de Sousa Soares, que, na última versão, os enquadrou como rurais, incluindo os burgos, e urbanos, deve-se mencionar como o fez António Matos Reis, que Lanhoso seguia o grupo de Salamanca A, e entre nós o mesmo modelo do extinto concelho de Prado (como o próprio documento o expressa).
No caso do Concelho de Lanhoso, para além das motivações comuns à outorga de cartas de Foral, ganha força a necessidade de defesa e manutenção do Castelo de Lanhoso, num momento em que a importância se fazia sentir de forma mais premente nos baluartes das linhas de fronteira e diminui a necessidade de intenso controlo das inúmeras vias de comunicação que percorrem as terras de Lanhoso.
Direitos do Rei
Uma particular característica da outorga da Carta de Foral de Lanhoso era tratar-se de uma doação perpétua, apenas salvaguardando para o Rei alguns direitos especiais:
- o Padroado das Igrejas existentes ou a fazer, ou a possibilidade do seu desaparecimento cujas terras os vizinhos de Lanhoso deveriam assegurar pelos seus meios, impedindo entrada de outro tipo de senhorios;
- o direito de Pausa, excluindo o mesmo direito a qualquer outro senhor;
- a renda anual de 1000 libras, pago em 3 partes do ano (as terças – no Natal, na Páscoa e no S. João);
- o Fidalgo por si escolhido para manutenção do Castelo de Lanhoso, pago pelos moradores;
O Rei, que excluía qualquer outra autoridade, intermediário ou pagamento, compromete os moradores tinham obrigações e direitos, particularmente os rendimentos extraídos do trabalho das terras…
Privilégios dos moradores
- o Fossado – só 1/3 dos moradores é obrigado com o Senhor do Concelho, apenas 1 vez no ano (quem o não fizer paga 5 soldos). Mais vezes apenas voluntariamente em caso de necessidade; Os Clérigos e os Peões estão isentos.
- a Isenção de impostos e tributos como Núncio e Manaria
- os crimes e os direitos à propriedade prescrevem ao fim de 1 ano e 1 dia;
- está prevista a venda da terra pelos moradores
- cavaleiros eram equiparados a Infanções;
- peões eram equiparados a cavaleiros vilãos
- reconhece-se a condição de fiador, que caduca após 6 meses ou por morte ficando a família livre do encargo;
- direito de Pousada, apenas por mando do juiz e até 3 dias, de que estão isentos cavaleiros e viúvas;
- impossibilidade de dispor de bens alheios na ausência do proprietário;
Quanto às Coimas:
- por Homicídio – 300 soldos e a sétima ao Palácio
- rapto de filha alheia – 300 soldos e a sétima ao Palácio
- ferir vizinho no mercado ou na igreja – 60 soldos e a sétima ao Palácio
- furto – paga o furto e oito partes ao juiz;
- é proibido perseguir por qualquer crime cometido fora do Termo, mesmo homicídio, excluindo aqueles que trazem mulher alheia de bênçãos.
- coimas diferenciadas para crimes feitos por ou sobre residentes em Lanhoso ou outros, numa proporção de 60 para 5 soldos (por descavalgar cavaleiro); 300 para 5 soldos (por prender morador);
- condenada a justiça pelas próprias mãos, equiparada a homicídio (300 soldos);
- violação de mulher (300 soldos);
- Ferir mulher alheia (30 soldos);
- É penalizado o abandono da mulher pelo marido (1 dinheiro) e o abandono do marido pela mulher (300 soldos);- Invasão de propriedade privada com armas (300 soldos)
- Ferir com espada 40 soldos;
- Ferir com lança, 20 soldos (10 se a lança não trespassar)
- Cada ferida, 5 soldos; cada ferida com osso exposto, 10 soldos;
O Documento está datado do dia 25 de Setembro de 1330 da Era de César (equivalente a 1292 da Era de Cristo).
Pelas notas que ficam expressas é possível perceber não só as vivencias mais comuns de finais do século XIII como as alterações provocadas a partir do momento em que os moradores deste Termo recebem a sua Carta de Foral, que permitem a transformação das formas de vida em termos económicos, sociais e políticos de uma comunidade que começa a assumir-se, exatamente, enquanto tal.
Em 4 de Janeiro de 1514, já num período de centralização do poder régio, a sua Carta de Foral do concelho de Lanhoso é renovada por D. Manuel.